quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

MEMÓRIAS DE UM GUARDA-REDES

Episódio 19 - MAIS UMA VIAGEM … MAIS UMA CHUVADA.

O episódio de hoje, vem complementar um pouco o narrado no episódio número 1, uma vez que se nesse eu generalizei o assunto, neste vou contar uma dessas passagens, que proporcionou mais uma das minhas “aventuras”. Aliás, esta poderia ser apenas mais uma viagem (das várias) debaixo de chuva entre Casa Branca e o Escoural, se eu não tivesse aproveitado a boleia que me foi oferecida.

Não sei exactamente quando teve este episódio lugar, se nalgum jogo em que não tive a companhia dos irmãos Rabino, ou se já na altura em que era o único “doido”, que se deslocava semanalmente da Baixa da Banheira para o Escoural para jogar futebol.

Certo domingo como habitualmente, deixei a Baixa da Banheira a caminho do Escoural para mais uma jornada futebolística. O dia raiou com um céu limpo prevendo-se um sol radioso, até porque estávamos no início da primavera, nesse dia a temperatura até estava amena, e ainda eram cerca de sete da manhã, logo, belo dia para passear até ao Alentejo.

Assim sendo, uma camisita por cima do corpo e um blusão fino, que servia apenas para proteger o “cabedal”, e lá fui eu apanhar o comboio rumo a Casa Branca.

Chegado o comboio a Vendas Novas, comecei a ver umas nuvens um pouco esquisitas para o meu gosto, mas pensei que seriam apenas ameaços, pois seria impossível chover num dia tão bonito como aquele.

Pois pensei, mas pensei mal, porque quando cheguei a Casa Branca chovia que “Deus a dava”, e eu armado em “corpinho bem feito”.

Saí do comboio, e aí a coisa piorou uma vez que não era só a chuva, pois o vento também soprava forte, e calor não estava nenhum, muito pelo contrário.

Pior ainda, é que mais uma vez (mas que grande novidade !!!) alguém se tinha esquecido de mim, ou seja, mais uma vez vou a pé ou … vou a pé?

Entretanto, enquanto aguardava que a chuva me deixasse seguir o meu caminho, apareceu um senhor já de alguma idade equipado a rigor para a chuva, que tinha ido à estação de Casa Branca tratar de um assunto qualquer, que ao ver-me, sabendo a razão pela qual eu ali estava, dirigiu-se-me e disse: - Vítor, eu até te dava boleia na minha mota, mas ias lá chegar feito um pinto - . E penso que me disse isto por uma questão de educação e simpatia, nunca pensando que eu aceitasse.

Eu ouvi aquela oferta de boleia, e pensei que se a aceitasse chegaria ao Escoural irreconhecível, ou seja, esta boleia era muito pouco apetecível. Mas logo de seguida também pensei, que se não aproveitasse esta boleia teria de ir a pé, e possivelmente ainda seria pior, ou seja, seria escolher entre uma tortura de dez minutos e uma outra de cinquenta minutos. Bem, pelo menos a tortura de dez minutos passa bem mais depressa. Entretanto e como a chuva parecia querer acalmar, poderia acontecer que até ao Escoural a chuva parasse e o sol descobrisse. Sabem como é, a esperança é a última coisa a morrer, e desesperado já eu estava. Assim sendo, pensei: - Ora, que se dane, vamos lá aproveitar a boleia, que já estou por tudo - .

Quando eu disse que ia aproveitar a boleia, a pessoa que ma ofereceu e os funcionários da estação, pela cara de surpresa que fizeram, devem de ter pensado que eu estava totalmente “apanhado do clima”. Possivelmente até pensaram que o frio me tivesse afectado a massa cinzenta, pois só isso justificaria a minha decisão.

Entretanto um dos funcionários da estação de Casa Branca deu-me um plástico para eu tapar a cabeça, na esperança que me molhasse o menos possível, e lá fomos.

Mas é aqui que começa a minha epopeia, pois ao fim de cinquenta metros já não tinha o plástico na cabeça, o blusão estava todo encharcado e já tinha trespassado para a camisa, e as calças estavam tão molhadas e frias, que era como se elas não existissem, e ainda estávamos no início da viagem. Mas ainda piorou, pois quando tínhamos andado cerca de duzentos metros, o São Pedro deve-se ter zangado comigo, pois já nem parecia chuva, mais pareciam baldes de água atirados para cima de nós, e o vento a ajudar, claro.

Quanto ao meu companheiro de viagem, “ia na boa”, pois com aquele fato de oleado podia chover a cântaros que nada o importunava, cá para o rapaz é que a coisa estava um pouco mais molhada que o normal. Penso que nesse dia o caminho de Casa Branca para o Escoural cresceu, pois nunca meia dúzia de quilómetros me pareceram tão compridos.

Finalmente chegámos ao Escoural e lá fui deixado em frente ao Tónica como era hábito. Pensei logo que me ia chegar à braseira da Ti Albertina, e quem sabe talvez ela lá tivesse um copo de leite quentinho para aquecer as entranhas (onde é que eu já li isto?).

Assim que entrei deparei-me com a Ti Albertina a olhar para mim embasbacada, não me tendo reconhecido à primeira. Mas quem poderia ser o doido com um metro e noventa, que ali poderia estar aquela hora naquela triste figura?!

Quando ela se apercebeu que de facto aquela figura era eu, a alma penada, desta vez mais encharcada do que penada, a primeira coisa que me disse foi: - devias era de levar um sova - . Depois, mandou-me despir o blusão e a camisa e colocou-os numa cadeira junto à braseira para secar, tendo-me emprestado uma camisola que penso que pertencia ao Tónica, que me ficava tão grande, que nunca percebi se sobrava camisola, ou faltava Vítor. Entretanto tirei as calças também para secar, e vesti uns calções do equipamento que trazia de casa. Por fim, como não podia faltar, a Ti Albertina trouxe-me o reconfortante copo de leite quentinho. E como me soube tão bem aquele copo de leite.

Verdade se diga que nesse dia não saí mais do Tónica até à hora do jogo, à espera que a roupa secasse minimamente, e até porque nesse dia o almoço foi preparado pela Ti Albertina. E verdade também se diga, que a Ti Albertina me chateou toda a manhã, a chamar-me todos os nomes maus que há, por aquela minha maluqueira.

Uma coisa é certa, no fim-de-semana seguinte com ou sem chuva, eu lá estava outra vez, e isto repetiu-se por alguns anitos, pois outras chuvadas eu apanhei, outras caminhadas eu fiz entre Casa Branca e Escoural, outras vezes me aqueci à braseira da Ti Albertina, outros copitos de leite quente eu bebi, e muitas outras vezes a Ti Albertina me chamou de doido, e me disse que eu merecia era levar porrada por ser tão maluco.

Esta foi mais uma história que espero seja do vosso agrado. Permitam-me homenagear a memória do Ti Tónica, e agradecer com um ENORME obrigado à Ti Albertina por tudo o que me aturou.

Despeço-me até à próxima história com AQUELE ABRAÇO.

VITOR RANGEL

vrangel@netcabo.pt

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